Base Manoel Alves Ribeiro (MAR)
Partido Comunista Brasileiro
Florianópolis/SC.

Aldo, o comunista

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Conheça a trajetória de Aldo Dittrich. Com forte atuação sindical, o comunista catarinense deu muito trabalho aos órgãos de segurança no século passado.

Daiana Lencina


Madrugada do dia 1º de abril de 1964. Antes mesmo do raiar do sol, dirigentes do Sindicato dos Trabalhadores da Indústria da Extração de Carvão de Criciúma (STIECC) percorriam as minas da cidade para anunciar uma greve geral. Na Rádio Difusora de Criciúma, Geci Dittrich clamava "oposição à ditadura". Aldo Pedro Dittrich, seu marido e advogado do STIECC, era um dos principais responsáveis por tornar a região sul catarinense um "vespeiro" para as forças militares.

No Arquivo do Núcleo de Estudos Sobre as Transformações no Mundo do Trabalho, localizado na Universidade Federal de Santa Catarina encontram-se uma série de arquivos sobre Aldo Dittrich. As instituições que expediram os arquivos revelam que o advogado era visto como uma ameaça à ordem vigente. São diversos documentos do Serviço Nacional de Informações (SNI), da Delegacia de Ordem Pública e Social (DOPS) e do Destacamento de Operações de Informações - Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-CODI). Afinal, quem foi este comunista que tanto trabalho deu aos órgãos de repressão?

Nascido em 1926 na cidade Canoinhas (SC), Aldo se formou em Direito em Florianópolis (SC), após passagens por Curitiba (PR) e Rio de Janeiro (RJ). No meio acadêmico, já demonstrava sua verve vermelha. Além de ajudar a editar o jornal comunista 'A Unidade', ele se envolveu em uma série de confusões na capital por distribuir panfletos com ideias consideradas subversivas. Não demorou muito até que Dittrich passasse a ser acompanhado de perto pela DOPS de Santa Catarina.

Em 1956, Aldo começou a advogar pelo STIECC e casou-se com a locutora Geci. Juntos, instalaram-se em Criciúma (SC) no ano seguinte, quando a chapa aliada ao Partido Comunista Brasileiro (PCB), venceu as eleições no sindicato. Na época, Aldo oferecia cursos sobre direitos trabalhistas aos mineiros. Isso gerou represálias por parte dos padres católicos da cidade, que chegavam ao ponto pedir nas rádios para que ninguém alugasse casa para o advogado comunista.

Dittrich também escrevia uma coluna no jornal Tribuna Criciumense intitulada "Notas Sindicais", na qual simplificava a linguagem jurídica e tornava-a acessível para os trabalhadores. Apoiado pelo movimento sindical, Aldo Dittrich concorreu ao cargo de deputado estadual pelo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) em 1958, porém não conseguiu se eleger. O fracasso não o impediu de participar ativamente da greve dos mineiros de Santa Catarina de 1960, que possivelmente foi a mais ferrenha mobilização sindical já vista no estado, segundo especialistas. Entre outras coisas, o movimento solicitava o pagamento de insalubridade aos trabalhadores das minas. A exigência foi atendida meses depois, mas a greve resultou na demissão de diversos trabalhadores, em muita violência policial e em rixas dentro do próprio sindicato.

Sem êxito, Aldo tentou congregar os demais órgãos sindicais da região na luta pelos direitos dos trabalhadores. Em 1962, concorreu ao cargo de vereador em Criciúma, agora pelo Partido Social Progressista (PSP). Mais uma vez não foi eleito. Entretanto sua casa continuou sendo referência e ponto de encontro dos comunistas locais.

A vida após o golpe

aldao.jpegDepois da deflagração do regime civil-militar, Aldo Dittrich sai de Criciúma para escapar do exército, fugindo a pé até o Rio Grande do Sul. Na cidade de Viamão, região metropolitana de Porto Alegre, o advogado, ateu, foi abrigado por irmãs franciscanas durante meses.  Após re-encontrar Geci, Aldo se estabelece com ela no Rio de Janeiro, onde viveram clandestinamente em um apartamento oferecido pelo PCB. Depois, ambos mudam para São Paulo, onde se aliaram ao Movimento Democrático Brasileiro (MDB).

Em 1968, Aldo foi julgado por subversão, sendo absolvido sem sequer ter comparecido ao julgamento. Porém, no início da década de 1970 a repressão aumentou e o casal partiu para o exílio na URSS, onde trabalhou como tradutor. Por volta de 1974, o casal Dittirch retorna em segredo para Curitiba, onde Aldo passou a advogar com pseudônimos. Mas o disfarce não funcionou.

No ano seguinte, ele foi preso e levado ao DOI-CODI de São Paulo, onde uma extensa ficha o acusava de inúmeros atos subversivos. Lá, ele foi duramente torturado até sua liberação no natal de 1975, sendo mantida a obrigação de comparecer todos os meses ao DOPS/SP. O ex-sindicalista só foi absolvido em 19 de outubro de 1977. Porém, os pedidos de indenizações por ter sido perseguido e preso político nos Estados de Santa Catarina, Paraná e São Paulo somente foram deferidos após seu falecimento, ocorrido em agosto de 2003.

Assim como outros, Aldo e Geci dedicaram um considerável período de suas vidas na luta contra o regime ditatorial que o golpe de 1964 instaurou no país, mesmo sofrendo terríveis torturas físicas e/ou psicológicas.

Conversas informais realizadas com alguns moradores de Canoinhas (SC) contemporâneos aos Dittrich demonstraram que esse é um assunto no qual a maioria das pessoas prefere o silêncio, mesmo duas décadas após a queda do Muro de Berlim. Atualmente, Aldo é reverenciado apenas por sua inteligência, por seu brilhantismo e pelo sucesso no exercício da profissão. Já Geci é lembrada devido ao seu poder de comunicação, sua simpatia e seu intenso envolvimento com os eventos culturais da cidade. Porém, mesmo sabendo, ninguém fala nas lutas políticas do casal.

O próprio Aldo negou sua condição de comunista em diferentes momentos de sua vida, possivelmente como uma tática de auto defesa. De acordo com sua filha Karin Dittrich, as lembranças das torturas sofridas nos porões do DOI - CODI paulista jamais se apagaram da memória de seu pai. Para ela, Dittrich não suportou a desilusão de ver a dissipação do projeto político comunista no qual ele acreditou e pelo qual se dedicou com tanto afinco por quase toda sua vida.

Muitos foram mortos. Outros sobreviveram, apesar de nunca terem conseguido se livrar das sequelas deixadas pelas torturas feitas pelos militares. Agora, é esperar pela abertura dos Arquivos da Ditadura no Brasil e pela identificação dos torturadores que, infelizmente, foram anistiados da mesma maneira que os torturados.

Daiana Castoldi Lencina é mestranda em História pela Universidade Federal de Santa Catarina.

FONTE: http://rhbn.com.br/v2/home/?go=detalhe&id=2636

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