Base Manoel Alves Ribeiro (MAR)
Partido Comunista Brasileiro
Florianópolis/SC.

INTERVENÇÃO DO PCB NO 3º FÓRUM HUMANISTA LATINO-AMERICANO

Painel "Acordos necessários entre nações para aprofundar o processo de integração"


Buenos Aires, Faculdade de Medicina da UBA, 6 de novembro de 2008

Nos dias 6, 7 e 8 de novembro, na cidade de Buenos Aires, Argentina, ocorreu o 3o Fórum Humanista Latinoamericano. Assim como no fórum anterior, realizado na Bolívia em 2007, o PCB se fez presente. Com a participação de delegações de diversos países como Cuba, Venezuela, Bolívia, Haiti e também da Europa, os principais temas do encontro foram o despertar e as transformações populares na América Latina, os processos de integração regional e a preparação de uma Marcha Mundial pela Não-Violência, a realizar-se de 2 de outubro de 2009 a 2 de janeiro de 2010. Segue abaixo a intervenção do PCB, feita pelo camarada Rodrigo Oliveira Fonseca no painel sobre integração regional. (*)


Enquanto o mundo global das finanças vive uma crise sem precedentes, uma crise que os trabalhadores já começam a pagar, nosso continente americano, nossa Abya Yala, vive, no campo político, acontecimentos e lutas populares que nos colocam hoje na vanguarda mundial da esperança e do enfrentamento ao imperialismo. Aí estão nossos povos de Cuba, Venezuela, Bolívia, Equador, Paraguai e de outros países irmãos. Claro que esperança não significa falta de problemas, sendo um dos maiores exatamente a nossa falta de experiência em nos relacionarmos diretamente, sem a ingerência dos grandes cartéis capitalistas.


O objetivo dessa intervenção do Partido Comunista Brasileiro, PCB, nesse 3º Fórum Humanista Latino-americano, é apontar nossas atuais perspectivas, desafios e tentativas de responder a algumas das perguntas do painel, sobretudo em relação ao modelo regional desejado por nós comunistas.


Neste século XXI alguns governos latino-americanos têm investido esforços para sair da unipolaridade que após a queda do bloco soviético parecia ser inescapável. O que aconteceu? A Alca morreu, Brasil, Venezuela e outros países têm diversificado suas relações comerciais, a Unasul surge e já começa a trabalhar, dando um importante apoio ao processo popular-democrático boliviano.


Mas perguntamos: não corremos o risco de que a unidade regional que necessitamos seja apenas a dos capitais e das fontes energéticas? Estaríamos caminhando rumo a uma interiorização do chamado "sistema mundo", o sistema imperialista global, a partir de uma oportunidade histórica de capitalistas locais em direção a (e no interior de) nossas próprias desigualdades? Iremos mostrar que já somos maduros ao ponto de não necessitarmos que nos digam o que fazer quando o tema é fazer o mesmo que eles, agora entre nós?


Os comunistas sempre levantamos a bandeira e o projeto do internacionalismo, mas o internacionalismo dos trabalhadores, a capacidade de nos conhecermos, de nos unirmos e lutarmos contra nosso inimigo comum, este sistema de desenvolvimento, destruição, exploração e acumulação que priva a maioria de ter poder sobre suas próprias vidas, o capitalismo. Com a crise atual, voltou o debate sobre os limites deste sistema, a necessidade de impor-lhe regras, como agora em 31 de outubro na conferência ibero-americana em El Salvador. Seguimos os comunistas entre aqueles que querem pensar e lutar por uma saída para além do capitalismo, uma saída contra o capitalismo em si, e não a favor da sua impossível humanização.


Já basta aceitar o discurso das elites locais de que os EUA e a Europa são modelos. Temos visto modelo de que eles são. Milhares de pessoas vivendo nas ruas ou em seus carros por não conseguirem pagar hipotecas, falta de assistência médica, racismo, homofobia, xenofobia, perseguição a imigrantes, alienação do trabalho e da cultura, privatização dos lucros e socialização dos custos e danos.


É verdade que algumas destas iniciativas de integração comercial e energética na América Latina podem resvalar para algo maior, mas reconheçamos que seguimos ainda distantes disso. Bem distantes.


Temos que caminhar mais rapidamente. Temos que fomentar o diálogo e a articulação internacional de nossos movimentos e atores sociais numa perspectiva de resistência e avanço rumo a uma outra globalização, demarcada por relaciones cada vez mais entre povos, entre trabalhadores, que são obviamente relações de outro tipo, de outra natureza. Essa é uma tarefa de nossos partidos, centrais sindicais e camponesas, frentes políticas e demais movimentos que entendem cada vez mais a necessidade de irmos além da simples solidariedade entre nós, que entendem a necessidade de irmos em direção a ações comuns e articuladas.


Com isso não dizemos aqui que a chamada aos governos quanto a suas responsabilidades seja secundária. Não é assim. O antigo movimento dos não-alinhados, nos tempos da guerra fria, teve uma importância que transcendeu em muito o aspecto econômico. Podemos dizer que a aproximação de países como a China, o Egito, a Indonésia, o Vietnam, a Índia, a Iugoslávia e outros, naquela época, formou um bloco capaz de impedir que de fria a guerra se convertesse em quente.


Hoje o desafio também é por aí. Temos navegando em nossos mares a IV Frota do imperialismo estadunidense, justo quando o governo mais submisso aos ianques, o da Colômbia, fica completamente isolado, quando o Brasil descobre imensas reservas petrolíferas, e quando os democratas nos EUA estudam sair do Iraque para manter seus esforços bélicos em algum outro lado.


Impedir a balcanização e qualquer tipo de agressão entre nós é metade do caminho para evitar uma guerra. Neste sentido, temos que oferecer todo apoio possível ao governo do companheiro Evo Morales contra o separatismo da burguesia branca e colonialista da Meia Lua. Chamamos o governo de Bachelet a negociar, como um gesto histórico de justiça e de integração verdadeira, a saída da Bolívia ao mar.


Temos que apoiar o belo diálogo a favor da paz com justiça social recém começado entre políticos, personalidades, intelectuais e a guerrilha na Colômbia, contra a impossível saída militar aos graves problemas políticos, econômicos e sociais daquela sociedade.


Abrindo a polêmica, entendemos que a importante palavra de ordem pela desmilitarização e o desarmamento, por agora, só tem sentido se direcionada aos agressores dos povos, os exércitos genocidas e interventores de nossas terras. Caso contrário, estaremos pedindo o suicídio da esquerda, da esperança, de um futuro com justiça, humanidade e fraternidade. Um futuro, inclusive, sem armas. Aí está a dialética e o materialismo. Nossos irmãos guerrilheiros da Colômbia já tentaram o caminho unilateral do desarmamento e o que conseguiram foi o assassinato imediato de 5 mil lutadores do povo, para não falar dos que seguem sendo brutalmente assassinados até hoje.


Nossa força real nunca estará nas armas, esses "brinquedos de morte" que movem um dos maiores lucros em todo o mundo. Nossa força real é a força, a mobilização e a consciência dos povos, mas enquanto nossos povos, em todo o mundo, e principalmente no coração dos EUA, não estiverem convictos da necessidade de mudanças profundas, com todos os preços a pagar, deixar as armas somente nas mãos dos carrascos, dos profissionais da morte, será impedir a história de seguir um rumo de superação real de toda esta violência entre classes e nações. Vimos tudo o que aconteceu recentemente na Bolívia. Não venceremos nossos agressores pedindo-lhes que aceitem a democracia ou a razão. Temos já muitos mártires. Sejamos mais responsáveis, pois é preciso agir energicamente e impedir-lhes que sigam com seu ódio e seus crimes.


Neste sentido, temos que pressionar o governo brasileiro e sua força militar para que desista de salvar aos latifundiários brasiguaios de uma reforma agrária justa e urgente como a que o povo trabalhador do Paraguai necessita. Nosso partido luta pela devolução dos arquivos históricos do Paraguai, roubados na época da Tríplice Infâmia, que exterminou a quase totalidade do povo guarani. Nosso partido luta, sobretudo, pela renegociação do tratado de Itaipu e Yacyretá, firmado por dois governos ditatoriais em 1973. Assim como o petróleo na Venezuela e o gás na Bolívia, a água no Paraguai será fundamental para realizar as mudanças necessárias e urgentes. Temos pagado por essas posições, recebendo ameaças de grupos de extrema direita todas as semanas, e sofrendo acusações de sermos antinacionalistas. Não somos antinacionalistas, estamos, por exemplo, na vanguarda da luta pela propriedade estatal e pública do nosso petróleo, que segue sendo privatizado por Lula, mas sim somos internacionalistas, antes de tudo estamos com os trabalhadores, já que nossa condição no mundo é cada vez mais comum.


As empresas estatais e privadas brasileiras, com total apoio midiático, têm muitas vezes cumprido um papel sujo e imperialista na região. Pensamos que no novo espaço da Unasul se devam colocar estas questões, sobretudo agora com a crise econômica e a provável agudização destes problemas. A tendência para os próximos meses, lamentavelmente, é de uma maior agressividade entre classes e nações.


Outra luta que é preciso ampliar é para que saiam imediatamente os soldados de nossos países do Haiti, que nenhuma solução real tem levado a seus conflitos, mas o contrário. O que o Haiti sim precisa é de ajuda humanitária, e não de mais violência.


É necessário ampliarmos o grito mundial contra o bloqueio monstruoso que se faz contra Cuba socialista. Uma vez mais na ONU, pela 17ª vez, sai uma decisão favorável a Cuba: 185 países contra o voto isolado de três que em verdade são um só: EUA, Israel e Palau (uma pequena ilha que há mais de dez anos foi praticamente anexada). Estes genocidas não têm o direito de seguir tentando sufocar o heroísmo do regime e do povo, que comemora agora em janeiro 50 anos de sua revolução antiimperialista.


O Mercosul, ao assinar o Tratado de Livre Comércio com Israel, demonstra ser pior ainda que una cristalização de forças comerciais na região. Contra os estados que massacram povos, como o caso de Israel que há 60 anos vem assassinando, expulsando e explorando os palestinos, haverá que denunciá-los e boicotá-los, e nunca facilitar-lhes as finanças, para que sigam - como o governo da Colômbia - comprando uma imensidade de armas que são diretamente usadas contra civis. Com este TLC passamos nós também a ter o sangue palestino em nossas mãos. Que vergonha!


Para nos conhecermos mais e melhor, para falarmos dessas coisas entre nós mesmos, devemos ampliar as iniciativas como a da TeleSur, ampliar não somente para mais países, mas também para que nossos povos e movimentos populares possam ter aí o seu espaço.


A formação sócio-histórica do Brasil o colocou de costas para o continente. É verdade que nossas praias são incríveis, mas ao contato direto/fronteiriço com dez países é preciso ver também como uma oportunidade incrível para avançar do contato físico-geográfico para um contato humano, cultural e político.


Uma iniciativa neste sentido foi a do Partido Comunista Brasileiro, PCB, ao propor a criação da Casa da América Latina. Há pouco mais de um ano a Casa da América Latina é uma entidade das mais amplas que conhecemos em termos de matrizes ideológicas, sem que isso signifique uma existência simplesmente simbólica. Trabalhando em conjunto, intelectuais, artistas, ativistas, políticos, estudantes, gente de todo tipo, mas com uma mesma missão: difundir a resistência latino-americana em suas variadas formas, nossos rostos e gestos culturais, nossos desafios históricos, nosso cinema, música e poesia.


Aí estão conosco os humanistas brasileiros e aqui queremos deixar um convite: que se possa semear em toda Nuestra América, em Abya Yala, várias Casas como esta, que funcionem como verdadeiros núcleos de difusão disso que aqui estamos falando e defendendo, a unidade de nossos povos, a integração regional como acordo fraterno entre os que trabalham e lutam desde baixo em nossa terra, e não como conveniência momentânea entre os senhores e as estruturas que há dez, cem ou quinhentos anos ganham com nossa miséria e submissão mundial.


(*) A delegação do PCB era composta por Oneider Vargas e Rodrigo Fonseca, ambos camaradas do Rio Grande do Sul.


FONTE: PCB

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